terça-feira, 20 de março de 2012

AUSÊNCIA DE ALEGRIA

Afastando a pessoa da sua realidade, retirando-lhe a individualidade, o mergulho no grupo torna-a amarga, desinteressada de si mesma, sem objetivo, passando a agir conforme a maioria prefere, adquirindo aquilo que o consumismo informa ser o mais procurado, e nesse caso, o senso crítico esmaece e o humor se entorpece, desaparecendo.
Passando a aceitar o que lhe é impingido pela propaganda, a sua capacidade de dizer basta desfalece enquanto afogado nas sucessivas e rápidas informações, e tem diminuído o aprofundamento nos conteúdos, retirando o prazer de conhecer, sendo conduzido à ilusória sensação de estar a par de tudo o que acontece, assim perdendo-se na variedade das notícias.
Graças a esse procedimento aprende a gostar do que lhe é imposto de forma autoritária, tendo as emoções robotizadas, porqüanto o seu humor se expressa no riso em esgar ante o grotesco, o vulgar, sem o prazer de expressar a própria emoção de júbilo. 
Qual ocorre com a representação televisiva, o riso da platéia — quase sempre selecionada e paga pela produção dos programas — é antinatural, decidido por alguém que sinaliza os momentos hábeis, desinteressantes, sem sentido. 
Na sociedade computadorizada, ser espontâneo é quase um sacrilégio, é uma aberração. 
O humor torna-se cada vez mais chulo, agressivo, não traduzindo alegria, satisfação ou a hilaridade que libera enzimas proporcionadoras de saúde e auxiliares da imunização do organismo. 
Evita-se sorrir ou tem-se medo de fazê-lo. Acredita-se que não existem razões para a alegria e o senso de humor desaparece a pouco e pouco, substituído pela carantonha e pelo azedume. 
A perda do senso de humor equivale ao desaparecimento do sentido da vida, dos seus objetivos e meios de realização.
A conquista do significado existencial dá-se mediante a aquisição da capacidade crítica, do discernimento ante a verdade, da coragem de ser-se autêntico, que a vulgaridade destrói em razão das conveniências e descaracterizações da pessoa como indivíduo.
Conta-se que Dionísio, de Siracusa, na Sicilia, fora um rei autoritário e cruel, que se apresentava como poeta autoconfiante no valor das suas composições, face aos aplausos exuberantes que lhe concediam os bajuladores.
Logo terminava um poema, lia-o para os admiradores que, hipócritas, lhe exaltavam qualidades inexistentes.
Supervalorizando-se, e presunçoso, o rei mandou chamar Filoxeno, que era filósofo e poeta de caráter reto, sempre fiel à verdade.
O rei, diante dos fanáticos, leu para o convidado diversos poemas, e depois indagou-lhe a respeito da qualidade dos mesmos.
Sem titubear, Fioxeno afirmou que os versos eram destituídos de valor, e que não justificavam o rei dedicar-se à sua elaboração, por faltar-lhe inspiração e destreza poética.
Diante dos falsos admiradores, que acompanhavam a audácia do homem crítico e verdadeiro, o rei, irado, mandou encarcerá-lo.
Passado um largo período, e desculpando-lhe a ofensa, graças a uma carta dos súditos, o rei mandou libertar o filósofo e trazê-lo à sua presença.
Como houvera composto um recente poema, ao qual atribuía significado literário e artístico, leu-o com emoção diante dele e da corte, e, ao concluí-lo, indagou ao recém-liberto o que achava.
Todos, na sala do trono, louvavam a métrica, o conteúdo de rara beleza e a forma da composição.
Fioxeno, que permanecera em silêncio durante todo o tempo, acercou-se de dois guardas ali postados, e pediu-lhes:
— Voltem a encarcerar-me, porque o poema continua de má qualidade e o seu criador não possui dom poético.
Ante o estupor que tomou a todos, Dionisio, que também amava a coragem, embora contrariado, libertou o filósofo que partiu em paz.
A livre expressão digna e a coragem de vivenciá-la são decorrências da capacidade de manter-se o senso critico e de ter-se consciência do que se faz e se diz, definindo o indivíduo livre e consciente.
O filósofo Bertrand Russell e o apóstolo Mohandas Gandhi, dentre muitos outros homens e mulheres admiráveis, foram encarcerados mais de uma vez, por expressarem a sua crítica ao sistema arbitrário sob o qual viviam e lutaram
para mudá-lo, tornando-se exemplos honrosos para a humanidade.
A consciência do Si possui a nobreza de identificar a vida e a sua proposta, oferecendo alegria sem jaça na experiência humana. Apresenta facetas agradáveis e desconcertantes, que são selecionadas e, com bonomia, aceitas e vividas. Enseja a oportunidade de rir-se e de fruir-se o prazer que emula ao prosseguimento da existência. 
Essa faculdade expressa o júbilo, o sentido de humor, e permite que o indivíduo saudável ria até de si mesmo, dos seus equívocos, sabendo dosar o sal que lhe élícito colocar nos acontecimentos cotidianos, para fazêlos apetecíveis.
Assim agindo, liberam-se enzimas que mantêm o equilíbrio psicofísico e bloqueiam-se toxinas prejudiciais que envenenam. 
O esforço para se preservar o sentido de humor, a capacidade crítica, a busca do prazer e a própria individualidade é um desafio que deve ser aceito em favor do crescimento intelectomoral e do desenvolvimento espiritual, que constituem as metas da vida, e que o movimento ciclópico dos dias hodiemos não tem direito de entorpecer, facultando a instalação das enfermidades que decorrem da automação, da robotização, liberando o ser para a alegria.

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